segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

VELÓRIO E CHUVA


Essa semana vi um velório, fazia muitos anos que não participava de um, odeio velórios, pessoas chorando, pessoas se lamentando por não terem participado mais da vida daqueles que já não tem mais vida. A religião está impregnada de morte, não aceitamos o fim da existência e criamos mundos além, outras vivências. Estou ficando velho e chegando mais perto da morte, mas não consigo sentir essa necessidade de criar essas fantasias de paraísos e infernos, talvez eu morra antes da velhice.
A chuva cai lá fora, escuto o barulho da água caindo na calçada, um ar de tristeza acompanha a chuva, o tempo nublado, o cinza no céu. Estou ficando velho, a chuva ainda mantém sua frescura, sua magia, meu cabelo cai, rugas fazem marcas em meu rosto, a gordura preenche meu corpo, o peso do tempo esmaga minhas ilusões. Enquanto a chuva faz sua festa lá fora aqui dentro faço o possível, respiro e sonho acordado, pois tenho insônia, tenho desejo, tenho um pouco de tempo.
Não consigo ficar triste em velórios, mas compreendo aquelas pessoas se desmanchando em lágrimas, a dor percorre seus ossos, seus corações pedem por alívio, a chuva teima em cair lá fora, eu persisto em uma caminhada sem utopia. A maturidade, sabedoria, a idade me trouxe um pouco de tudo isso, porém custou caro, tive que pagar com erros, choros, frustrações, as mentiras são pontes para a verdade.
O caixão desce, a terra cobre o resto orgânico, as pessoas vão embora, escrevo e olho para o céu, a chuva foi embora, o cinza continua, abro um pequeno sorriso, acho graça nesse ar triste que se arrasta pela atmosfera, ainda não morri, devo ter um pouco mais de tempo, devo ter que respirar mais um pouco, a vida dura pouco, pouco é muito para ser feliz, ter tesão e desilusão.