quinta-feira, 19 de maio de 2011

A LUA E O ABISMO

Um copo de chá, gelado como minha pele, cadáver, mortos, o passado é uma gaiola de loucos e desesperados, mortos. Lembro-me de algumas coisas, sinto calor com a pele gélida, frio no inferno, calor na Antártida, meus pensamentos sangram como minha urina infeccionada, jogo todo o podre e pus de minha existência nessa privada, mundo, latrina sem descarga.
O doce desce suave enquanto o chá chega gostoso ao meu estômago, sinto o prazer se diluir na desgraça, a dor chega ao cerne de minhas veias, choro por dentro, grito em silencio, amém senhor pai de todas as dores. Guerras, amores, traições, doenças, putas lembranças da época em que era inocente, a morte trás seus mortos para frente do espelho, vejo o reflexo cadavérico, senhores historiadores sem almas ressuscitem esses guerreiros, choro prantos de sangue, mijo todo o podre de meu pranto.
Escuro como minha vida, turvo como meu futuro, doce como os beijos esquecidos, o chá acompanha minha jornada por esse infinito e turbulento labirinto de minha alma, não são minhas as minhas alegrias, são do mundo, são dele também minhas desventuras, apenas pego emprestado. Bebo o chá sem pressa, sinto a dor , a angustia, sinto a dúvida que chega com a febre, gozo enquanto posso, não espero perdão.
Tenho alucinações com a racionalidade, crio a realidade em meus ingênuos sonhos, a lua ilumina a beleza da noite, cabelos caindo com o câncer do mundo, ainda amo essa fria e enigmática noite, mesmo ela vindo com a dor.
Bebo mais um copo do chá  mate, ouço a sinfonia que toca no universo toda vez que escrevo sobre o nada, esse que deveria ser o único existente enquanto nós deveríamos não existir. Nossa existência é um estupro da lógica, da razão, não há como virmos do nada, não há como um Deus fazer tudo do nada ou sempre existir junto do nada, nada que eu diga tem sentido, desnorteado são os perigos da minha insensata frase, sem ponto final corro para o infinito e encontro o fim que acaba no abismo.
A luz ilumina essa noite, é canção, é cor, é a forma que vejo minha vida sem dor, camuflando as guerras, as doenças, as diarréias ignorantes, as infecções sociais, as traições celestiais. A lua cai com o dia, o sol traz suas alegrias, suas esperanças, suas mentiras. O chá já acabou, durmo com o barulho da vida, adormeço nos braços do destino e acordo com o mistério, com esse romântico luar, o verme passeia lá fora, aqui dentro da baleia penso no esforço de continuar respirando, no esforço em sonhar.
Olho para a Lua enquanto caio no abismo, o fim do infinito, não grito, não choro, não penso na queda, apenas caio eternamente até chegar no final.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

DESERTO

O sol brilha no horizonte, o calor penetra em meus poros, se aloja em meu sangue, percorre todo o meu corpo, esquenta minha alma ateia, ferve meus sentimentos, excita meus demônios. Uma miragem, a boca seca e os olhos cheios de saudade, vejo uma miragem, verde e água, uma miragem, o sol batendo em minha pele, ela some , a miragem dá lugar a areia e o infinito passa a ser minha realidade.
Ando rumo a algum lugar, caminhar no deserto quente é queimar em vida no inferno sem Dante, olho para o céu e me pergunto se estou sozinho, se há mais alguém comigo naquele caminho, algum ET, espírito, diabo ou Deus, sem resposta continuo a caminhar e a beijar os raios de sol. A areia brilha, sem água peço que a morte me leve, não agüento mais a agonia, caminho desorientado, mas ela não me atende, continuo minha luta contra esse inexpugnável deserto.
Trombetas, labaredas, as pragas todas reunidas, todos os sonhos e pesadelos caindo junto a noite sem gemido, estou só nesse vazio de areia e escuridão, reflito sobre minha situação, a falta de resposta para tantas perguntas que me surgem é normal, anomalia do caos de meus pensamentos em um turbilhão racional de surrealismos descrentes. O frio acompanha meu medo, o céu sem nuvens, estrelas bailando em sua enérgica existência sem movimento, a luz não desmente meus sentimentos, estou solitariamente preso nesse mundo, solto no universo, grito por alguém, por Jeová, Maomé, grito por uma alma vivente, escuto apenas o ensurdecedor silêncio, as estrelas não falam, apenas reluzem.
E se eu morresse aqui e agora? Eu apenas morreria, o problema é continuar vivendo e me questionando, a falta de resposta é latente, tenho apenas dúvidas nesse círculo azul.
Um grito, um desespero, um raio, dinossauros correndo, nazista em chamas, judeus caindo dos céus, um a granada, um braço, vermes brancos saindo de bocas vermelhas, sangue e fezes sendo cuspidas em palavras indecentes, miragens sem perdão, choro as lágrimas que restam nesse corpo inquieto, penso nessas idéias, políticas, pornografias e utopias. O deserto não tem fim, a vida parece não ter fim, o medo, a dor.
Um poço, água fria e esperança de um  novo começo, a esperança é isso, uma nova chance para sonhar coisas impossíveis novamente e realizar possibilidades não sonhadas. Caminho, o calor volta com sua energia e magnitude, sou um soberbo filho da puta solitário nessa imensidão de areia, sol e dúvidas. Rezo, não há respostas, nasci e morrerei sozinho, o início e o fim são marcados por esse deserto.
Chego finalmente ao encontro de outros seres humanos, comida, abrigo, corações, ignorâncias, beijos e muita falta de mim mesmo. Um intervalo entre a vida e a morte. Preciso me encontrar agora que já encontrei outras pessoas, volto ao deserto, foi lá que perdi parte de mim, será lá que me reencontrarei, volto rumo ao nada, rumo ao solitário caldeirão de areia, estou lá em algum lugar, tenho que achar e dialogar. Bebo mais um pouco de água, um beijo no vento.